De onde vem a arte que percorre nossas entranhas, nos assombra até ser externalizada e compartilhada com o mundo? Que coloca à prova nosso ego multifacetado e abre espaço para o que, o novo gerado, trás junto de si? O ser humano, a partir de seu mundo interior, de suas ideias e verdades, é capaz de identificar fragmentos num lugar tão estranhamente familiar, mas, ao mesmo tempo, desconhecido. É nesse lugar, intrigante e atraente, que as experiências de aproximação com esses fragmentos inevitavelmente começam, como modelar massinha com as mãos e notar sua coloração e cheiro, girar um bambolê nas diversas direções, jogar temperos num preparo, enfim, sabe-se que, a transformação é certa, e a partilha também.
É acolhedor observar nossa clara filiação com a natureza, é inegável que somos parte dela, geramos à nossa maneira, assim como ela gera a partir de seu mistério grandioso da vida, gera em seu ventre, Terra. A mente não sabe como, desconhece! Mas a centelha divina que sabe, na quietude do simples saber que apenas ressoa no corpo. No corpo de cada um. No corpo do mundo que acolhe a vida.
A arte é como uma semente que voa com o vento e aterriza em algum lugar, ou, uma semente que é transportada por um passarinho, o passarinho por sua vez, não é lembrado por ter transportado a semente, nem o vento! Tampouco a fonte mãe que criou a própria semente, entretanto, a semente será apreciada, se tornará árvore, propagará vida. A árvore guarda sua história em seu corpo, abrigará e virará morada de muitos seres naturalmente gratos, em muitas realidades difusas, até perder-se de vista de cada um, dela[a árvore]; A árvore oferecerá nutrientes, será fonte de água, viabilizará transformação, será sombra para tantos, alimentará, curará; será mãe. Sim, ela resistirá!
Pois bem, que esta árvore represente só por este momento minha criatividade associativa. Todo esse processo de geração, propagação, perpetuação e transformação de vida é resistência, diante de tanta impermanência.
Como se adaptar ao impermanente?
Como acoplamos as duas naturezas aparentemente contrárias, e entramos nesse ritmo natural?
Essa é nossa arte, para mim na arte sempre está impresso o amor, ainda que oculto diante dos sentimentos e emoções que colorem e podem sobressair à primeira impressão, contudo marcam uma vivência, que foi sentida verdadeiramente, inspirada e expirada e gera conexão.
Nossa arte integra por natureza, ela nutre, ela perdura tal qual uma árvore transforma seu meio fora da linha do tempo, e, não temos controle de por onde pairarão suas sementes e folhas, não estimamos distância seja qual for, elas correram como as águas pelo mundo, por cima da terra, por baixo da terra, nas nuvens, serão livres fontes de vida. Livres.
Apenas acontecem dada à vida, uma força as conduz, altamente eficaz, que não impõe, não expecta, apenas realiza.
Se essa reflexão fosse um fruto agora? E mordêssemos… quais sensações lhe traria?
Eu, mordo esse fruto agora, sinto bolinhas a estourar entre meus dentes, o sumo é viçoso e vermelho, fino, posso sentir, há algo dentro de mim, que luta comigo para vir a ser nesse mundo.
Mas antes que venha a ser, os raciocínios frios, enraizados a muito tempo, talvez, desde o início da minha criação, estão ponderando sua concepção ao mundo.
Os desígnios de como deve acontecer estão ativados, os desejos do sucesso, da luz individual brilhando no mundo, é arrebatador e confuso aos próprios sentidos racionais. Agora há mais elementos nessa potencial criação que ora fora interceptada pela consciência, agora a razão quer assumir, emoções participam, parâmetros, desejos etc etc querem se encaixar no que vem lá.
Eu escrevi esses parágrafos inspirada em uma conversa com um artista que admiro e observo viver de perto, e, transformei da maneira que melhor posso gerir o que compreendi, da nossa troca, as associações, naturalescas, que me remetem ao frescor de casa.
Tenho um respiro de existência nesse mesmo instante, como se fosse na varanda da minha morada interior. A nutrição que a arte propõe em cada fase do seu processo, para vir a ser, nesse momento, me sinto parte, e expresso com carinho, entrego, através de palavras. Transcrever todo o movimento desse pensamento que veio como um sopro de vida, reagiu, se misturou, se transformou, surgiu os olhos!
Poderia por fim, dizer que tais lapsos são como aqueles trevinhos que brotam, rapidamente da terra, no orvalho da noite, sem que se note com a mesma agilidade.
Minha vontade foi compartilhar meu refrescante sentir desse momento, com pensamentos vicejantes, sem férrea rigidez, e convidar à reflexão sobre como, talvez, sejamos apenas como passarinhos a transportar sementes, num dia corriqueiro, numa vida concreta.
Como poderíamos abrir espaço em nós para nossas criações? Como as entregamos ao mundo sem que o ego, de repente, reivindique para si, a maestria da originalidade, desapegado e libertos da ilusão do controle das direções e caminhos que elas irão percorrer?
Larissa Koller